Nem se a direção das provas e gincanas do Big Brother Brasil estivesse às mãos do diretor José Mojica Marins, criador e alterego do personagem Zé do Caixão, um dos peritos do cinema nacional quando o assunto é aterrorizar, a falta de senso do programa chegaria a tanto. Falo exatamente daquelas provas que se aproximam de rituais do além, onde o vencedor, após horas de rechaçamento, pode angariar o posto de líder da semana, um carro ou até mesmo fazer uma ligação para o mundo exterior. É campeão, sabe-se lá de que, aquele que melhor suportar os maus tratos, permanecendo horas sem suas necessidades básicas — leia-se o direito a um banho, à alimentação ou até mesmo, a sandice maior, a exclusão do direito de ir ao toalete.
A edição atual do programa, que parece ser a última do impropério televisivo no Brasil, traz requintes de humilhação aos participantes que deixaria qualquer sanguinário profissional no chinelo. Nem as farras malévolas já produzidas pelo mefistofélico coveiro tupiniquim em suas diversas atuações conseguem ultrapassar o BBB.
Zé já fez, em meados de 1967, durante testes numa sinagoga na região do Brás, em São Paulo, coisas tenebrosas. Jovens pregavam a própria língua numa tábua, moças comiam minhocas com groselha, e até mesmo rapazes com os pés molhados seguravam fios desencapados, levando terríveis choques elétricos. Tudo em nome da seleção para atores que o diretor produzia. Assim como no BBB, tudo o que era feito com o consentimento dos participantes. À época, o espetáculo rendeu ao mestre do terror nacional o título de louco, boa publicidade e algumas horinhas de depoimento à polícia. Mas foi só.
Em compensação, o espetáculo grotesco da vida alheia também dá suas tacadas. O que me deixou boquiaberto nesta edição foi o tal “quarto branco”. O telefone toca na casa. Um dos residentes atende ao BBBFONE e descobre que foi premiado com a estadia, junto a outros dois membros, de 72 horas num quarto onde até as sombras são brancas. Roupas, paredes, lençóis, tudo é neve. Lá, o “grande irmão” não permite banhos, conversas com outros membros que estão fora do quarto e, claro, os espia de forma incessante. Consultei alguns peritos no assunto e descobri que o nascimento da insensatez não data do BBB atual, mas sim da edição anterior.
O vento que arrasta o “Ritual dos Sádicos” que uma das maiores redes de televisão do mundo produz é um vento com um verossímil de ameno, vez que os brothers têm o pretenso livre-arbítrio de desistir da prova. Mas não é o que ocorre. Eles precisam de visibilidade e, por isso, aceitam a condição. A paranóia é geral. O chefe Bial dá ainda uma luz. Há uma sirene em meio ao quarto, o único objeto vermelho, que pode ser apertada caso algum ser branco surte e resolva abrir mão do campeonato de tédio. Por muitos instantes os pensamentos ficam negros. Uma das presidiárias resolveu até teorizar o inferno astral, nomeando o momento de “confinamento do confinamento”.
Este sem número de tragédias que permeia o programa ora ou outra acaba caindo numa necessidade da criação. E é por isso o BBB vive se renovando quando o assunto é sandice. Isto poderia, sim, dar nova cara, talvez mais saudável, às gincanas do programa — mas não é este o formato que rende audiência. Aqui reside também, de forma até romanesca, a oportunidade de que se gere algo novo e não se permita que, em nome da produção de massa, a boa criação, a de “alta cultura”, fique ofuscada. Vale lembrar a linha do sociólogo francês Edgar Morin, no que tange a possibilidade. “Em determinado momento precisa-se de mais, precisa-se da invenção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação, que a burocracia é obrigada a procurar a invenção, que o padrão se detém para ser aperfeiçoado pela originalidade”. É possível ver luz. Mas a criação do programa se preocupa apenas em tornar seres humanos em coisas risíveis.
Eles, a Globo, não são os únicos sádicos aqui. A pergunta é: queremos assistir a um espetáculo brando, onde pessoas que se esforçam ganham notoriedade, em que as provas testem a inteligência ou até mesmo a condição física dos avaliados? Ou preferimos ver pessoas se humilhando, tentando provar sabe-se lá como que são dignas do troféu BBB por terem suportado às mais diversas privações?
A luz vislumbrada pela Rede Globo não enxergou algo novo, mas sim uma intensificação da tragédia televisiva, de forma diferenciada, mas com os mesmos delírios de crueldade. Zé do Caixão foi passado para traz. Nem ele assusta tanto. Que medo!
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