domingo, 4 de abril de 2010

O cineasta que o diabo encarnou


“Quarenta anos, Bruno. Quarenta anos de resistência. Aggghhhhh! [...] Pensam que eu estou vencido, enfraquecido pelo tempo. Não! Os homens de verdade jamais se entregam."

Zé do Caixão ao sair da prisão, em Encarnação do Demônio.


Em seu mais recente filme, Encarnação do Demônio, lançado no ano de 2008, José Mojica Marins provou mais uma vez que é um cineasta como nenhum outro. Realizado 40 anos depois de ter seu roteiro escrito (o argumento estava pronto desde 1967), foi o primeiro na carreira do diretor a receber incentivo do governo para ser rodado. O resultado não poderia ter sido melhor: a produção, segundo Mojica, “foi a mais rica, a mais perfeita de todas”, rendendo um longa-metragem impecável.

Em festivais no Brasil e no exterior o filme foi celebrado. Só no I Festival de Cinema de Paulínia, em 2008, Mojica ganhou sete dos quinze prêmios principais oferecidos pelo júri oficial, entre eles o de melhor filme do ano e, também, o prêmio da crítica como melhor longa-metragem. Foi aplaudido de pé pela plateia ali presente. No Grande Prêmio Vivo do Cinema Brasileiro, ganhou como melhor direção de arte e efeitos especiais. Já na Espanha foi o vencedor do Festival de Cinema de Sitges, e no 65º Festival de Veneza o longa foi homenageado com uma exibição especial no programa Midnight Screenings, recebendo aplausos e a aprovação dos telespectadores (veja trailer do filme aqui).

As críticas negativas, no entanto, também apareceram. Para alguns fãs do saudoso Zé do Caixão, o fato de Mojica ter investido neste filme mais recursos do que jamais pôde investir em nenhuma outra película, comprometeu a essência da personagem e de sua história. A plástica, a estética bem acabada, os figurinos, os efeitos especiais de primeira, a fotografia... Zé do Caixão está rico, disseram as más-línguas, e perdera os traços marcantes de sua linguagem cinematográfica.

Apesar de tudo, esses comentários não chegavam nem perto do que outrora Mojica ouvia. Nos anos 60 e 70, o diretor acostumou-se às declarações de que Zé do Caixão era um paranóico, um doente mental. Proibiam-se suas fitas alegando que a personagem não respeitava as tradições, a crença popular e os preceitos das religiões – manifestava problemas psíquicos e desvios de conduta, sendo um mal exemplo a sociedade. A censura e os jornais da época tachavam seus filmes de produções pobres, disformes, ostensivamente nojentas, de uma estética grotesca, com sequências estúpidas e subversivas, reflexos da incultura de um homem pretensioso e incompetente.

Foram, como se pode imaginar, momentos difíceis para o cineasta. Entretanto, hoje ele conserva certo prestígio, adquirido graças aos anos em que lutou em defesa da liberdade de expressão e do cinema brasileiro. Prova disso foi a homenagem, oferecida em novembro de 2005, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva que lhe entregou, em mãos, a medalha de Honra ao Mérito Cultural pelos seus serviços prestados à cultura do país. Finalmente, José Mojica Marins está sendo valorizado como um homem de cinema, merecedor de todo o reconhecimento cabível de sua importância.


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