terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Entrevista


Demorou, mas a Revista BETA finalmente entrevistou o diretor José Mojica Marins, que revelou detalhes de sua carreira, influências e seu particular modus operandi, conjunto que o consolidou como uma das importantes personalidades do cinema nacional.

Por Bruno Mello Castanho

Em um boteco na região central de São Paulo, Mojica recebeu a revista para uma conversa sobre as particularidades de uma carreira cinematográfica tão inventiva, original e, ao mesmo tempo, conturbada.

BETA Você fez seu primeiro curta aos 10 anos de idade e foi um diretor que aprendeu fazendo. Chegou um determinado momento em que você resolveu estudar cinema?

MOJICA Não, nunca estudei cinema, porque tive por perto os maiores diretores do Brasil: Júlio Bressane, Luís Sérgio Person, Glauber Rocha e Rogério Sganzerla. Este me dizia: “Mojica, não lê cinema. Faça o seu cinema, lance o seu livro, para que os outros te imitem. Você faz algo que não tem nada a ver com os dráculas, frankensteins, lobisomens. É coisa nossa, tupiniquim mesmo”. Aos 10 anos, pedi uma câmera 16 mm e fiz meu primeiro curta. Com certeza, aprendi fazendo e criei uma linguagem única.

BETA O personagem Zé do Caixão foi tão assimilado que hoje faz parte da cultura popular brasileira, do folclore brasileiro mesmo…

MOJICA Faz, eu tenho a impressão de que, se eu morresse amanhã, ficaria, assim, como o Boitatá ou o Saci-Pererê. Sempre tive problemas com a censura e, em 78, fui conhecer quem eram os censores que tanto me prendiam. Eu fiquei apavorado, porque eles começaram a colocar a mão no meu rosto e dizer “ele é de carne e osso, ele existe mesmo”. Então, vi que aqueles que me censuravam não tinham a menor condição de entender realmente o meu cinema e percebi que era um sistema muito errado mesmo. Da mesma forma, hoje dizem que “tem verba pro cinema nacional”. Eu até fiz um pacto com o Lula e, esse ano, devo ir falar com ele novamente, pois o Lula disse que ia rever isso. Ele dá uma verba pro cinema, mas a verba vem só pra uma panela e, de repente, é só aquele grupo que pega o dinheiro. Querem que você tenha experiência, mas tem que ter a primeira vez.

BETA Falando um pouco sobre a sua obra em geral, o seu cinema sempre foi ou muito elogiado ou muito contestado, mas sem dúvida há um consenso de que é um dos mais autênticos e originais. Você teve essa preocupação de fazer uma arte contra as convenções?

MOJICA Realmente eu fui um iluminado. Fiz, fui criticado, bati na tecla e, por décadas, eu fui o primeiro no gênero. Só agora, depois de mais de cinquenta anos, é que estão surgindo pessoas para fazer o terror. E acho que o Brasil é, em essência, um país de superstição, o país do nosso candomblé, da nossa macumba. Então, acho que é o único país que já tem o seu folclore formado e nós não podemos ter vergonha de falar sobre isso, porque é o que realmente somos. Então, temos que explorar isso com mais cautela e acho que tinha que ter verba especial para fazer o que é nosso e deixar de lado o que é gringo.

BETA Uma pergunta da qual não podemos escapar é: você chegou a ser um cineasta cinéfilo? Quais são as grandes obras ou diretores que você admira?

MOJICA Não cheguei a ser cinéfilo, mas cresci dentro de um cinema, vendo de tudo. Sempre elogio muito o Polanski, com o seu Bebê de Rosemary. Ele nunca mais conseguiu repetir uma coisa parecida e acho que, se ele tivesse seguido aquela linha, teria se saído melhor. Tem também um grande diretor e produtor que é o Spielberg, de quem ninguém pode tirar o mérito. O homem dos efeitos especiais, e não há outro igual, é fantástico.

BETA O Glauber Rocha foi um cineasta que te apoiou na prática e que também gostava muito do seu cinema. Como era a sua relação com ele?

MOJICA Fomos amigos, ele chegou a visitar o meu estúdio e ficou deslumbrado. Queria saber como eu conseguia fazer tudo só com aquele espaço tão pequeno.

BETA E como você conseguia?

MOJICA Sempre gostei muito do cinema artesanal e, mesmo com o Encarnação do Demônio, tive a oportunidade de colocar isso em prática, usei o computador apenas duas ou três vezes. Essa coisa de fazer manualmente me tornou um dos cineastas mais econômicos do Brasil.

BETA Acho que a sua trajetória com o cinema resume bem a história de invenções do próprio cinema. Você começou fazendo filme sem editar, editando direto na câmera, narrava os seus filmes durante a exibição e vem também de uma família circense…

MOJICA É, meu pai era toureiro e minha mãe dançava tango. Já eram artistas e tive o privilégio de ser criado dentro de um cinema, pois meu pai era gerente de cinema. Nunca procurei estudar, porque eu jamais daria certo se fosse fazer um cinema que todo mundo faz, aquele cinema quadrado. Interessante é que hoje, após o reconhecimento dos norte-americanos, o que era trash virou cult.

BETA Quais são os seus projetos futuros? O que você pretende fazer daqui para frente?

MOJICA Estou terminando as minhas memórias e pretendo lançá-las no ano que vem. Existe um grupo, com o André Barcinski, que está fazendo a produção do filme sobre a minha vida. Estou combinando, também, com um pessoal de Pouso Alegre, em Minas Gerais, de levantarmos uma verba para o meu próximo longa, que espero que seja Corpo Seco. É uma lenda de Pouso Alegre, sobre um cara que estuprava mulheres. Gostei da história, achei fantástica e devo fazê-la. Além disso, no último filme, o Zé do Caixão deixou sete mulheres grávidas e devo fazer, quem sabe no ano que vem, Sete Ventres para o Demônio, que seria a continuação do Encarnação, mas terminaria aí. Devo também reabrir, até o fim do próximo mês, a minha Escola de Arte Dramática e voltar a dar aula.

BETA Você consegue escolher qual é a sua grande obra, a de que você mais gosta?

MOJICA Acho que a maior obra, em primeiro lugar, ainda é a fita que fiz em protesto, que na época não foi para o circuito comercial, e agora foi lançada em DVD. O Despertar da Besta é também a minha obra mais corajosa, pois fiz a fita numa época tenebrosa da ditadura militar.

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