quinta-feira, 20 de outubro de 2011

“Terror, terror, terror!”

Mestre do terror, Dario Argento revela admiração por diretores brasileiros (incluíndo Zé do Caixão)

Por Mario Abbade, especial para o Correio Braziliense.

O diretor italiano Dario Argento, considerado um mestre do cinema, é um dos convidados do Festival do Rio. Em visita ao Brasil para participar da mostra em sua homenagem Dario Argento e seu mundo de horror, o realizador fala em entrevista ao Correio que suas famosas dublagens são resultado de atores que não funcionaram e que o cinema italiano contemporâneo está empobrecido pelo predomínio de comédias. Dario diz ainda que uma de suas contribuições ao cinema de horror foi usar o rock progressivo no gênero e destaca o nome de Zé do Caixão na produção nacional. O diretor italiano conta que deixa a ideia de refilmagem para quem se interessar por sua obra, mas lembra que torce para que não aconteça o mesmo que se passou com a versão de Gus van Sant para Psicose, de Alfred Hitchcock para Dario Argento, nesses casos, é melhor assistir ao original.

O que inspirou o senhor a fazer sua versão de Drácula?

Eu sempre gostei do livro de Bram Stoker. O personagem sempre se transforma em lobo ou morcego, mas, quem sabe, em outras criaturas. Ao mesmo tempo, não acho um personagem violento e, sim, um romântico. Quero dar ênfase ao trágico romance que envolve a história.

E por que fazê-lo em 3D?

Quando a pintura descobriu a perspectiva, o jeito de pintar mudou. Da mesma forma, o cinema. As novas técnicas de 3D são bastante diferentes das anteriores. Atualmente, o importante é a profundidade. Um outro motivo foi um vídeo de cinco minutos, que está disponível no YouTube, de Disque M para matar, do Alfred Hitchcock. As pessoas não sabem, pois foi exibido em 2D, mas ele fez esse filme em 3D nos anos 1950. As possibilidades aumentam dessa forma. Fazer Drácula em 3D também é uma forma de homenagear o mestre de suspense.

Além de Drácula, o senhor tem algum novo projeto em mente?

No momento, estou concentrado no Drácula. Depois desse projeto, devo produzir algo para a TV para as distribuidoras europeias.

O senhor parece dar mais importância aos movimentos de câmera do que a dirigir os atores, além do uso de uma dublagem, no mínimo, curiosa.

Eu sou muito interessado nos movimentos da câmera, mas isso não significa que não goste de trabalhar com os atores. Tive ótimos atores, mas também outros que não funcionaram, me forçando a dublá-los (risos). Esse formato virou uma marca que faz parte do meu estilo.

Há algum ator, com quem ainda não trabalhou, com que o senhor gostaria de trabalhar?

Se um ator for bom para um filme e compuser o personagem, eu o contrato. Não tenho um sonho particular em trabalhar com alguém. Sempre depende da história e do projeto.

Quando está escrevendo um roteiro, já pensa nos movimentos da câmera?

Sempre. Quando estou escrevendo o roteiro, imagino como cada sequência vai ser filmada. Isso me motiva.

Se tivesse a chance de refazer algo em seus filmes, o senhor faria alguma mudança?

Às vezes, não fico satisfeito com o resultado, mas não mudaria nada. Você acerta e erra, faz parte do processo. Deixo essas refilmagens para quem se interessar por minha filmografia. Estão refazendo Suspiria, só espero que não façam como o Gus van Sant fez com Psicose, de Hitchcock. Nesse caso, é melhor assistir ao original.

Cinco dias em Milão (Le cinque giornate) é uma comédia dramática, um gênero bem diferente do resto de sua obra.

Eu era o produtor e roteirista desse projeto. Na pré-produção, os atores me perguntaram o porquê de eu não estar dirigindo o filme. Houve alguns que só queriam fazer o filme se eu estivesse dirigindo. Acabei fazendo o filme. Foi uma aventura interessante.

Quais dos seus filmes são os favoritos?

São todos meus filhos, mas eu tenho uma preferência por Suspiria, Terror na Ópera e A Mansão do Inferno.

O senhor disse, em entrevista recente, que Asia, sua filha, era uma atriz em evolução, poderia comentar essa declaração?

Não devem ter compreendido o que eu disse. Um profissional precisa estar em constante estado de evolução. Quem para corre o risco de estagnar. Nada foi planejado na carreira da Asia. Quando tinha 9 anos, um diretor me pediu permissão para convidá-la para um filme, e depois mais outro. E foi assim sucessivamente. Ela tem um dom natural.

Como o senhor analisa o jeito de ela dirigir?

Ela tem um jeito muito livre, próprio e interessante na abordagem de seus roteiros. Seu estilo é movimentar a câmera e tentar contar a trama por meio das imagens.

Como foi trabalhar com Bernardo Bertolucci e Sergio Leone em Era Uma Vez no Oeste?

Eu escrevi o roteiro com Bernardo. Somos bons companheiros. Sergio sempre falava sobre os movimentos da câmera. Ele era um mestre e talvez venha daí algumas das minhas influências.

Parte dos críticos acredita que a nova geração de diretores italianos não está à altura do cinema que já foi feito na Itália.

Atualmente, a maioria dos filmes produzidos na Itália é de comédias. Isso empobrece, mas gosto do trabalho do Paolo Sorrentino e do Matteo Garrone.

Pode falar sobre sua parceria com Claudio Simonetti e o uso do rock progressivo nastrilhas sonoras de seus filmes?

Claudio faz as trilhas dos meus filmes desde 1975, em Prelúdio Para Matar, quando ainda fazia parte da banda Goblin. Eu gosto de rock progressivo. E acredito que uma das minhas contribuições foi o uso desse estilo pouco comum no horror.

Quais são as suas maiores influências?

São muitas, mas posso citar o Hitchcock e os cineastas expressionistas alemães, como Robert Wiene, F. W. Murnau e Fritz Lang. Também fui influenciado pela nouvelle vague francesa.

O senhor tem algum conhecimento sobre os novos cineastas brasileiros?

Não conheço a nova geração de diretores brasileiros. Gosto do Diários de Motocicleta, do Walter Salles, e de Cidade de Deus, do Fernando Meirelles. Da antiga geração, gosto do Glauber Rocha. Também acho interessante o trabalho do José Mojica Marins, o popular Zé do Caixão.

sábado, 25 de junho de 2011

ATUALIZAÇÃO: Uma Descida ao Inferno de Zé do Caixão (2010)*

* Texto publicado originalmente aqui, em 11 de fevereiro de 2011.

Recebi no início da tarde de hoje, e acabei de assistir agorinha mesmo, o documentário Uma Descida ao Inferno de Zé do Caixão, realizado pelos estudantes Daiana Sousa, Dênis Matos e Marcela Alves. Há alguns meses, tive o prazer de gravar uma longa entrevista para os meninos aqui em Jundiaí, numa lanchonete rock’n’roll, quando procurado por eles para contribuir com o documentário, e foi bacana poder colaborar com o projeto.

O documentário merece ser prestigiado, no mínimo, por representar um agradável sopro de idéias arejadas e uma urgência de se compreender um dos nossos cineastas mais particulares e o artista mais ativo do horror nacional. Tomara que o filme tenha uma sobrevida fora das salas de avaliação acadêmica; que se torne extra de algum lançamento em DVD ou apareça na programação do Canal Brasil ou coisa parecida.

O resultado final ficou bem bacana, apesar da duração relativamente curta, com apenas 28 minutos (a gente sempre acha que tem algo mais a ser dito sobre a figura complexa do Mojica). Melhor ainda foi ver as encantadoras divagações da amiga e colega de brasilidades horroríficas Laura Cánepa, que indiquei para ser entrevistada para o projeto, e que, assistindo ao produto finalizado, tenho certeza que faria uma falta imensa se não tivesse participado. O cineasta e antropólogo Kiko Goifman (FilmeFobia), o jornalista, crítico e biógrafo mojicano André Barcinski e a psicanalista Maria Lúcia Homem - que parece viajar bem mais do que os delírios de Zé do Caixão costumam provocar - também oferecem esclarecimentos sobre as conflitantes figuras de José Mojica Marins e sua imortal criação Zé do Caixão. Ah, claro, o Mojica também é entrevistado, numa calçada qualquer de São Paulo, mas seu depoimento, aparentemente regado a loiras geladas, é um tanto criptografado. Puramente Mojica, claro.

domingo, 27 de março de 2011

Virada Cultural tem 24h de Mojica

Por Rodrigo Ramos, para o Boca do Inferno.

Os organizadores da Virada Cultural deste ano prepararam 24 horas de filmes do mestre José Mojica Marins e 24 horas de filmes catástrofe.

Para os interessados, segue a programação, que rolará simultaneamente no Cine Windsor (Mojica 24h) e no Cine Dom José (Cine Catástrofe). O único problema? Decidir o que assistir!


Cine Windsor – Mojica 24 Horas

(Avenida Ipiranga, 9740)

1. por toda a Virada – Mostra Zé do Caixão

18h – Curta Mojica (3 Filmes)

20h – “A Sina do Aventureiro“

22h – “Ritual dos Sádicos (O Despertar da Besta)“

00h – “À Meia-Noite Levarei Sua Alma“

02h – “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver“

04h – “O Estranho Mundo de Zé do Caixão“

06h – “Finis Hominis“

08h – “Delírios de um Anormal“

10h – “Encarnação do Demônio“

14h – “Inferno Carnal“

16h – “A Estranha Hospedaria dos Prazeres“

18h – “Profeta da Fome“

Cine Dom José – Cine Catástrofe

(Rua Dom José de Barros, 306)

18h10 – “O Dia Depois de Amanhã” (2004)

20h30 – “Guerra dos Mundos” (1953)

22h10 – “O Dia em que a Terra Parou” (1951)

00h – “O Destino do Poseidon” (1972)

02h10 – “O Dia Seguinte” (1983)

04h30 – “Viagem ao Fundo do Mar” (1961)

06h30 – “Impacto Profundo” (1998)

08h40 – “Terremoto” (1974)

11h – “Aeroporto” (1970)

13h30 – “A Travessia de Cassandra” (1976)

16h – “Cloverfield Monstro” (2008)

17h40 – “Inferno na Torre” (1974)


Para mais informações, consulte o site do evento.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Às vésperas de fazer 75 anos, Zé do Caixão será vivido por Matheus Nachtergaele nas telas

Via Extra.

SÃO PAULO - O cenário: um apartamento entulhado, paredes cobertas por estantes de livros e quinquilharias de toda sorte, como uma coleção de máscaras de Veneza; sofás encardidos; um papagaio na gaiola; e uma “assistente” jovem e bem-apessoada fazendo as vezes de dona da casa. No Centro de São Paulo, perto da Cracolândia, vive José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Ele prefere conversar no bar embaixo do prédio, tomando “uma coisinha”. Outro cenário: um pé-sujo com azulejos brancos no chão e nas paredes, alguns sujeitos estranhos no balcão e um salão vazio, cuja única brisa sopra de um ventilador barulhento. São três da tarde, e o calor beira o insalubre em meio à concretude do centrão paulistano.

Eu vou pedir uma caipirosca — diz Mojica, camisa vermelha, cinto de caveira e sorriso desdentado escancarado.

Apesar das aparências, a encarnação do Zé do Caixão não assusta. Só um pouquinho, quando distraidamente escorrega a mão sobre a sua coxa ou passa o braço por seus ombros. Às vésperas de completar 75 anos, no dia 13 de março — ele só poderia ter nascido num dia 13 —, Mojica está vivinho da silva. E cheio de projetos. Sua vida vai virar um filme: “Maldito”, baseado na biografia dos jornalistas Ivan Finotti e André Barcinski, lançada em 1998. O ator Matheus Nachtergaele já está escalado para viver o inventor do terror brasileiro no cinema. A direção é do estreante Vitor Mafra, que começa a rodar até o fim do ano. Mojica participou da elaboração do roteiro ao lado de Barcinski e Mafra. Ele também continua na TV: a quarta temporada da série “O estranho mundo de Zé do Caixão” estreia em março, no Canal Brasil. E ainda tem na cachola a ideia para mais uma “fita”, a 38 de sua filmografia: “Sete ventres para o demônio”, três anos depois da última, “Encarnação do demônio”. Zé do Caixão ainda será homenageado pela Unidos da Tijuca no carnaval: o carnavalesco Paulo Barros batizou o enredo sobre o medo no cinema de “Esta noite levarei sua alma”.

Li a biografia em 2004. Eu já era apaixonado pela obra do Mojica. Ao ler, pensei em um filme místico e transcendental aliado a um personagem quixotesco — diz Mafra. — O Mojica sempre usou o cinema para pegar mulher. Uma figura. Começamos, eu e o Barcinski, a pensar o roteiro em 2008. Não vai ser uma saga biográfica. Fizemos um recorte: vai da criação do Zé do Caixão, em 1963, até 1977, quando ele entra em coma. O Mojica tem essa questão da pós-morte. Ele foi lá e voltou. Achei que seria um bom jeito para terminar.

Cultuado mais fora do Brasil, onde é conhecido como Coffin Joe, do que aqui, Mojica rende histórias sem fim. Barcinski e Finotti, autores da biografia publicada pela Editora 34, receberam menção especial do júri no festival de Sundance de 2001, com o documentário “Maldito — O estranho mundo de José Mojica Marins”.

Conheço o Mojica desde 1985. Começamos a escrever a biografia em 92. Não existia nada sobre ele. No começo dos anos 90, saíram 13 filmes dele em VHS nos Estados Unidos. Ele virou cult — comenta Barcinski. — O Mojica é um personagem único no cinema brasileiro. Um cineasta que não se encaixou em nenhum movimento e participou de todos. Um autodidata que influenciou de Glauber Rocha a Rogério Sganzerla e Júlio Bressane. Fez e faz um cinema livre de todas as convenções.

O personagem Zé do Caixão nasceu “no dia 11 de outubro de 1963, praticamente”. Mojica adora duas palavras, que repete em quase todas as frases: praticamente e realmente. Zé do Caixão baixou num sonho. Ou num pesadelo. Na época, Mojica já era um cineasta com vários filmes no currículo, do faroeste à pornochanchada. O primeiro curta-metragem é de 1945: “A mágica do mágico”. E o primeiro longa, de 1958: “Sina de aventureiro”.

Fui dominado por pesadelos por anos. Pus um caderninho ao lado da minha cama e anotava tudo de manhã. Minha mulher dizia que eu andava pela casa falando coisas e dizendo o nome Zé do Caixão. Eu sofria daquele negócio, como é que é o nome? Sonamblismo (sic) — diz Mojica, sempre destituído de plurais ou concordâncias verbais. — Aí, fui quebrar as regras e fiz um filme de terror. Não tinha gente para trabalhar comigo, praticamente. Os poucos técnicos que vieram tiveram que atuar também. Nasceu um personagem realmente ateu, que só acredita nele. O Zé do Caixão deixou as pessoas abobadas. Eu era adorado pelo Barretão (Luiz Carlos Barreto), pelo Glauber, pelo Sganzerla, pelo Bressane. Acho que o Glauber foi o primeiro a dizer em público que eu era um gênio.

Zé do Caixão estreou no hoje clássico “À meia-noite levarei sua alma”. Por falta de atores, Mojica foi obrigado a incorporar o personagem, que, aliás, nunca desencorporou. Segundo ele, o Zé do Caixão tem até um nome de batismo: Josefel Zanatas. Nos sonhos do diretor, ele era um vulto que o arrastava até o próprio túmulo. Mojica tornou-se famoso pelo estilo rude de filmar, baseado na improvisação, na falta de recursos técnicos e em histórias objetivas. Antes de iniciar a saga do Zé do Caixão, já flertava com o suspense. Havia fundado o estúdio Companhia Cinematográfica, depois Companhia Cinematográfica Apolo, no bairro do Brás, onde dava aulas de cinema e fazia testes, utilizando bichos como ratazanas e baratas, para “tirar a emoção, o horror dos atores”. “À meia-noite levarei sua alma” marca o nascimento do gênero terror no Brasil.

O Zé do Caixão era um jovem, dono de necrotério, que vai para a guerra e, quando volta, encontra a amada casada com o prefeito. E a mata. Nunca mais consegue amar. Mas quer filhos. Então começa a lutar para arrumar uma mulher perfeita para ser a mãe. A luta dele resiste até hoje. Na próxima fita, ele vai ter filhos: “Sete ventres para o demônio” — comenta Mojica, pai de sete, um deles pastor nos Estados Unidos. — Faço filmes em sete dias, praticamente. O melhor que fiz, “À meia-noite...”, foi feito em 13.

— “O despertar da besta” é meu filme mais polêmico, uma fita considerada política — diz Mojica. — Ficou preso 20 anos, praticamente. Ao prenderem o filme, as poucas pessoas que acreditavam em mim sumiram, com medo. Se ele não tivesse sido detido pela censura, eu teria mudado a história do cinema.De 1963 até meados dos anos 70, Mojica viveu o auge. Ganhou um programa na TV Tupi, era personagem de quadrinhos e possuía vários produtos licenciados com a marca Zé do Caixão. Em 1969, porém, começou a descer a ladeira. O marco foi a proibição pela censura do filme “O despertar da besta”, considerado por muitos a sua grande obra. Produtores e investidores desapareceram. Mojica não conseguia mais trabalhar. Entrou em depressão, passou a beber muito, em 1977 teve um infarto que o deixou em coma por cinco dias e, nos anos 80, sumiu.

Para sobreviver na década de 80, o nada modesto Mojica fez de tudo, de filmes sob encomenda a fitas de sexo explícito.

Dirigi meia dúzia de fitas pornô. Diziam que eu não sabia fazer. Os caras demoravam 20, 30 dias para fazer um filme. Eu me lembro que cheguei para um produtor e perguntei: “Você quer o filme em quanto tempo?” Ele respondeu: “Quinze dias”. Prometi que entregaria em quatro — conta. — Fui para o Porto de Santos, escolhi as meninas. Filmei “24 horas de sexo explícito”. Depois veio “48 horas de sexo explícito”. Eu fazia coisas que os caras do pornô nem sabiam que existiam. Cheguei a cobrar para os diretores me verem filmar, porque eles queriam aprender.

Mojica foi criado dentro de uma sala de exibição. Os pais eram artistas circenses e, depois do nascimento do filho, o pai assumiu a gerência de um cinema na Vila Anastácio, próximo à Lapa paulistana. Como filho do dono do cinema, Mojica cresceu “o rei do bairro”. Já então era esquisito, “cheio de ideias meio doidas”. Numa peça da igreja, por exemplo, inventou de colocar uma lagartixa sobre a Cinderela para acordá-la do sono eterno. Ele não gostava de estudar. Terminou o primário às custas de uma chantagem com a professora: pegou-a transando com o diretor e ameaçou espalhar a história. Com 12 anos, ganhou uma câmera de filmagem do pai. Sumiu de casa por três meses. Com um grupo de amigos, caminhou até o Rio, ganhando a vida com pequenos filmetes de estrada.

Como eu pensava doido, achava que as outras pessoas também pensavam. Não sabia que eu era diferente. Fui um garoto superdotado. Já vim realmente com ideias estranhas — avalia Mojica. — Quando ganhei a câmera, passei a fazer experiências. Por isso me chamam de experimental. Ninguém arriscava, só eu. Depois que prenderam “O despertar da besta”, fiquei numa situação difícil. Eu tomo nove remédios para dormir. E vou a muito médico de cabeça.

O coração, porém, só parou uma vez, lá em 1977:

Meu pai tinha morrido, meu filme havia sido preso, eu me compliquei todo. Fiquei cinco dias numa mesa, tentando sobreviver. Parecia que eu não ia voltar mais. Eu vi um deserto grande, calor intenso, um sol que tornava tudo branco. Achei que era o meu fim, porque você sabe o que está acontecendo. Quando pensei que tinha partido, ouvi vozes do meu lado. Abri o olho e vi três assistentes minhas, lindas de morrer, umas gostosas. Tive certeza de que o paraíso é aqui.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"Meu canto mesmo é SP"

"Eu viajo muito para fazer filmagens, fico um mês no Nordeste, outro no Sul, mas acho que meu canto mesmo é São Paulo, principalmente o centro. É muito inspirador. Como eu nunca tive grandes recursos para as produções, sempre usei os locais próximos para filmar.

Eu nasci na Vila Mariana, mas fui criado na Lapa. Morei também uma época na Casa Verde, outra no Ipiranga, mas eu sempre tive escritório na Santa Cecília, onde moro atualmente.

O local que eu mais gosto é o Largo do Arouche, que no passado me inspirou. A minha primeira fita de terror, À Meia-noite Levarei sua Alma, foi feita realmente lá.

Acho que o Arouche sempre teve algo diferente comigo. Sempre usei para muitas fitas, dando impressão de que se estava em outra cidade. É um local muito criativo.

Também gosto do Museu do Ipiranga, acho um lugar muito legal, do Horto Florestal, pois filmei muito por lá e dá para dar a impressão de que se está no Amazonas e, claro, do cemitério da Vila Formosa, acho que é o maior da América Latina".

Fonte: Jornal da Tarde.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Conpresp dá sobrevida ao Belas Artes

Órgão iniciou processo de tombamento do prédio, o que impede reformas sem autorização durante análise do caso, o que levará 90 dias

Por Rodrigo Brancatelli

O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) abriu ontem o processo de tombamento do cinema Belas Artes, na Rua da Consolação, região central de São Paulo. Com a decisão, o prédio que abriga o cinema está "congelado" - não poderá sofrer reformas sem autorização enquanto o tombamento é analisado, o que deve durar até 90 dias.

Isso deve frustrar, pelo menos temporariamente, os planos do dono do edifício, Flávio Maluf, que rescindiu o contrato de aluguel com o cinema e pretende entregar o espaço para uma loja. Até o momento, no entanto, o fechamento do Belas Artes continua marcado para o dia 27.

A abertura do processo significa que o Conpresp admitiu a possibilidade de o edifício ter valor histórico e cultural e, por isso, precisa de tempo para analisá-lo. Não significa a salvação imediata do Belas Artes; o proprietário pode fechar o cinema e mantê-lo assim enquanto o tombamento é discutido. Mas até a decisão definitiva sair, nenhuma modificação pode ser feita no imóvel - ou seja, uma loja não poderia demolir as salas nem alterar a configuração interna do endereço.

Os conselheiros do Conpresp, no entanto, estão longe de ter uma ideia do que fazer com o Belas Artes - muitos deles chegaram a ficar irritados com o lobby de políticos na última semana para proteger o cinema. "Tem muito padrinho, muito cacique, todo mundo falando sobre isso", diz o vereador Adilson Amadeu (PTB), representante da Câmara Municipal no Conpresp. "Se o governo quer tanto salvar o Belas Artes, por que não colocam lá no prédio do Detran? Precisamos analisar esse tombamento muito bem, afinal, o proprietário vai ficar marcado com isso para o resto da vida. Vamos fazer um estudo detalhado dessa situação, não decidimos nada ainda."

O pedido de tombamento foi protocolado no Conpresp na terça-feira da semana passada pela organização social Via Cultural. Foi resultado da pressão popular que já existia contra o fechamento do Belas Artes, que ganhou força quando o ex-governador José Serra (PSDB) "anunciou" o tombamento em um post no Twitter. "Semana passada sugeri ao prefeito (Gilberto) Kassab que tombasse o prédio. Hoje, falei com o (Carlos Augusto) Calil, secretário da Cultura sobre isso", continuou. "Tive a boa notícia: o tombamento vem na terça-feira", finalizou Serra, dando como certo um processo que ainda precisa ser discutido.

Na reunião de ontem, os advogados de Flávio Maluf afirmaram que apenas buscam a atualização do valor do aluguel do imóvel e que o proprietário será penalizado com o tombamento. André Sturm, sócio-proprietário do Belas Artes, diz que o dinheiro nunca foi o tema central da discussão. "Já tínhamos acertado a continuidade do contrato, concordamos em pagar mais de aluguel, mas o proprietário disse: "Cinema é decadente, quero colocar uma loja no meu imóvel", e não houve mais diálogo." Maluf não se pronunciou.