segunda-feira, 22 de março de 2010

Porn Marins II: Com erotismo também é possível ‘potrestar’

Já falamos aqui que José Mojica Marins entrou para o mercado pornô em 1983. Em meio àquele tumultuado ano, ele continuou tentando sobreviver não só no mundo do pele com pele. Enviou o roteiro de Encarnação do Demônio — longa que completa a trilogia da personagem Zé do Caixão — à Embrafilme, que à época escolhia alguns filmes para financiar. Fato é que a empresa rejeitou e o terceiro episódio do coveiro cabloco só saiu do papel em 2008.

Mas ele não desistiu. Ainda em 1983, em busca de publicidade e por ordem médica, resolveu cortar suas garras de 20 centímetros no programa Viva a Noite, apresentado por Gugu Liberato. Além do risco de atrofia nas mãos, as unhas causavam grande transtorno à vida de Marins; que teve de desenvolver uma técnica ninja — e secreta — para fazer sua higiene pessoal. A poda fora necessária. Ele até chorou de emoção com o ato e deu uma das lâminas a Zé Ramalho, que emoldurou a unha e a manteve em seu acervo pessoal. Tirando as lágrimas e o presente, o ato não rendeu muito. O jeito era apelar novamente.

No início de 1984, o cineasta caiu novamente na balburdia e ajudou Francisco Cavalcanti com a direção de O Filho do Sexo Explícito, filme sobre uma atriz que, sem conseguir emprego para atuar em filmes pretensamente sérios, resolve contracenar num pornô na Boca do Lixo. Por ironia do destino, ela engravida e decide abandonar a pornografia. Num final tragicômico, seu rebento acaba por se tornar um dos maiores “expliciteiro” — termo criado à época para indicar os diretores de filmes de sexo explícito — do país.

Reacionário

Apesar do caráter ficcional, o filme é um recorte trágico do cinema paulistano à época. Fora a forma que Cavalcanti encontrou para mostrar revolta e trazer à tona a situação vivenciada pelos cineastas da Boca, já que muitos ingressaram no mercado do sexo explícito por conta das pressões financeiras.

A crise era geral e outros emblemáticos artistas tiveram de se adaptar à realidade do cinema brasileiro. Carlos Reichenbach fez a fotografia de
Gozo Alucinante, Tony Rabatoni, fotógrafo de Glauber Rocha e Ruy Guerra, dirigiu A Doutora é Boa Pacas, Antônio Meliande, prolífero fotógrafo do cinema, fez vários filmes de sexo explícito, entre eles Bobeou...Entrou e De Pernas Abertas.

Com as filmagens do gênero, os diretores tiveram que reaprender a fazer cinema. As histórias não podiam ser complexas, os planos de filmagem eram outros e, o principal: o público queria ver sexo. Ou seja, qualquer outra coisa seria perigosa.

O título dos filmes também era de suma importância. Para chamar a atenção do público, e muitas vezes encobrir uma produção ruim, os diretores apelavam nos nomes. Títulos como
O Viciado em C...; Bat-Xota, A Mulher Morcego; Rabo 1: Programado para Trepar (sátira de Rambo: Programado para Matar), entre outros, figuravam fortemente nos cinema de São Paulo. Outro importante longa ganhou espaço à época por conta do título: O Oscar do Sexo Explícito, de José Miziara, película que mostrava a nata da Boca do Lixo se reunindo para entregar o troféu “Oscaralho” aos melhores diretores do ano. Vale lembrar que a estatueta era um pênis alado. Rir das próprias dificuldades como forma de protesto foi o que restou aos diretores da Boca.

Mojica e Mario Lima também apelaram para o título, quando rodaram
24 Horas de Sexo Explícito. Só que isso fica para depois.

domingo, 21 de março de 2010

Sedentos por terror

A cidade de São Paulo foi palco em 2009 de um novo espaço para a produção cinematográfica de terror e fantasia. Trata-se do SP Terror - Festival Internacional de Cinema Fantástico -, mostra realizada pela primeira vez entre os dias 25 de junho e 2 de julho do ano passado, nas salas do Reserva Cultural, na avenida Paulista.

Na primeira edição foram apresentados cerca de 30 filmes (boa parte deles inédito no país) que dificilmente serão exibidos novamente ou até mesmo lançados em DVD por aqui.

Fizeram parte do festival produções da Inglaterra, Japão, França, Canadá, EUA, Brasil, Suécia, Chile, Argentina, Espanha, Alemanha, Cuba e Holanda. Para as sessões competitivas, o júri convidado contou com as presenças de Dennison Ramalho, Erico Borgo, Leopoldo Tauffenbach e, como não poderia deixar de ser, do mestre José Mojica Marins, o percussor do gênero de horror no Brasil.

Idealizado por Betina Goldman, o SP Terror chama a atenção para produções recentes e também já cultuadas, exibindo e promovendo filmes de qualidade. É uma maneira de encorajar o cinema brasileiro a realizar mais filmes dentro desse estilo, e, também, de suprir a necessidades dos fãs que têm tão poucas oportunidades para apreciar o gênero.

O I SP Terror premiou os filmes Mangue Negro, de Rodrigo Aragão e Eden Log, de Franck Vestiel. Já as menções honrosas foram para Aparecidos, de Paco Cabezas e Deixe Ela Entrar, de Tomas Alfredson. Este ano, a segunda edição do SP Terror está marcada para acontecer de 01 a 08 de julho. Não deixe de prestigiar, é um programa que vale a pena.

Noite de abertura do I SP Terror, em 25 de junho de 2009.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Criando a cena


Ele acredita no que é brasileiro. Nas histórias e facetas que podem acontecer em nosso folclore.
Insano não, louco talvez. O cinema é sua vida, no começo com uma câmera 8 milímetros. Utilizou acrobacias e escadas para promover uma cena de procissão. Conseguiu contracenar no meio da turbulência de 1963. A ditadura até tentou repreender, mas sua resistência foi muito maior.
É isso, ele se resume em criador e criatura. Às vezes andam juntos. Tem que tomar cuidado com isso.
José Mojica Marins ou Zé do Caixão? Qual promove mais medo?
Em sua carreira, Marins desafiou a trajetória do cinema. Com muitas críticas e trabalhando muitas vezes sozinho “sem cultura e dinheiro”, fez o terror acontecer cenário brasileiro.
E não podemos deixar de lembrar na sua criação preferida, seu personagem Zé do Caixão. Nascido no meio de um sonho, numa fase crítica de criação de filmes. Seu personagem nasce para “cutucar” ainda mais os críticos e sociedade.
Mojica é um dos maiores artistas multimídia da história do Brasil. Fez muito sucesso em cinema, TV, rádio, livros, revistas em quadrinhos, teatro e discos. Mesmo com críticas e sendo julgado como um débil mental. Por mais que as mídias o condenassem, ele conseguia “roubar” a cena.
Tudo isso aconteceu e muito mais. Marins realizou um grande sonho que foi fazer cinema, uma das artes mais caras do mundo, em um país pobre, e detalhe, sem ter estudado e sem amigos influentes. Nossa história não termina por aqui. Temos um pouco mais de 50 anos para falar.

Quem tem medo de Zé do Caixão?

Quando o cineasta autodidata José Mojica Marins trouxe à vida, em meados da década de 1960, a sádica e amoral personagem Zé do Caixão, é bem provável que não imaginava a repercussão que tal figura causaria no imaginário popular. Mojica é um dos maiores cineastas de nossa história, dono de uma filmografia espetacular - produziu longas, médias e curtas-metragens, e outras tantas películas inacabadas. Dono de uma estética singular e de uma aparência que chama a atenção, Mojica se aventurou em muitos gêneros, até encontrar o estilo que o levaria a ser reconhecido como diretor. O horror lhe consagraria e transformaria sua personagem principal numa lenda.

Sucesso aqui e em outros países do mundo, Zé do Caixão foi, sem dúvida, sua criação de maior impacto. Ele polemiza e assusta até os mais céticos. Causa repulsão ao debochar da crença alheia, ao desafiar tanto a existência de Deus quanto a do Diabo, e ao ridicularizar tudo e todos que ousem cruzar seu caminho. Adepto a costumes bizarros, Zé come carne em dia santo, bebe sangue humano, arranca a coroa da imagem de Cristo e oferece num banquete partes dos corpos de quem outrora foram seus convidados. Ele carrega consigo o mal e age indiscriminadamente sem, ao menos, aparentar remorso. Profana o sagrado, trai, mata, amaldiçoa... Com a ideia fixa de gerar o filho que carregará seu sangue e o tornará imortal, segue na busca pela mulher perfeita, não medindo esforços para alcançar seu objetivo.

Essa é a essência da história narrada na trilogia nefasta, composta pelos títulos À meia noite levarei sua alma (1963), Esta noite encarnarei no teu cadáver (1966) e Encarnação do demônio (2008), que só pôde ser concluída 40 anos depois de iniciada. É a obra-prima de Mojica e a consumação de Zé do Caixão como personagem mística, sombria e fabulosa. Por fim, um dos símbolos de nossa cultura. Porém, muitas vezes Mojica se viu obrigado a mudar algumas sequências de seus filmes, que se desdobravam de acordo com a conduta maldita da personagem. Devido a censura, o diretor chegou a regravar cenas e redublar trechos nos quais Zé desafiava violentamente os preceitos da moral e dos bons costumes. Isso tudo para que pudesse ter a chance de exibir suas obras. Foi o preço cobrado para continuar a fazer o que mais amava: cinema.

O que é o inferno, pergunta a criatura num dado momento. Ora, quem dera um dia possamos responder esta pergunta. Que nós (ou pelo menos os mais interessantes entre nós) tenhamos a oportunidade de conhecê-lo, senão por merecimento, ao menos por curiosidade, e que possamos compartilhar das maravilhas e das loucuras idealizadas por Mojica. Afinal, seria o inferno do modo como ele o imaginou? Colorido, gélido e com cheiro de pipoca? Essa questão mais cedo ou mais tarde nos será revelada, se Deus quiser!

Porn Marins I: A penetração no mundo do sexo explícito

O ator e diretor de cinema José Mojica Marins atuou nas mais diversas esferas da esquisitice. Já foi candidato a deputado federal — notadamente fazendo campanha com o nome Zé do Caixão —, já apresentou talk show de horror na TV, já hipnotizou o “rei” Roberto Carlos e causou outras sandices por aí.
É fato que as peripécias do decano do calafrio não pararam por aí. Em meados de 1983, Mojica estava — para variar — no esgoto. Há alguns anos não filmava nada, dedicando-se somente aos testes macabros que realizava na TV Bandeirantes com seus alunos e voluntários. As dificuldades apareceram e ele precisou utilizar a máxima nietzscheniana de que a tragédia seria criadora da forma.
O cinema brasileiro também caminhava meio manco. O sexo explícito reinava nas telonas tupiniquins e o terror de Mojica não tinha espaço. Para se ter ideia, de 1981 a 1990, dos 697 filmes produzidos no Brasil, 425 eram pornôs; o que correspondia a 61% do mercado, segundo a biografia de Marins Maldito, escrita pelos jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti. Além do gosto popular pelo carne com carne, o mercado era fomentado por este tipo de produção por conta do baixo custo e da facilidade de produzir. Um filme do gênero podia ser rodado em duas semanas, com apenas quatro técnicos — já que a grande movimentação acontecia frente às câmeras e não atrás destas. Já um longa “normal” demorava no mínimo dois meses e precisaria de uma equipe muito maior.

Caindo na putaria

O jeito era remar com a maré. Seu parceiro Mario Lima foi quem fez o convite. Chamou Mojica para dirigir A Quinta Dimensão do Sexo, drama erótico — bizarro, diga-se de passagem — sobre dois amigos estudantes de medicina que, frustrados com os sucessivos fracassos com mulheres, criam espécie de elixir afrodisíaco para deixar as garotas cheias de desejo.
Na lama, é claro que o papa do terror topou. O filme termina com final tenebroso, quando os dois protagonistas, indecisos sobre suas próprias opções sexuais e em meio aos testes insanos com o elixir, acabam por matar literalmente uma garota de prazer. O trauma os leva a compreender que estavam apaixonados um pelo outro, descobrem que são gays e morrem, juntos, num acidente de carro. Dramalhão total.
Como a história era um tanto pesada para época, principalmente por tratar o homossexualismo, a Censura somente permitiu que a película fosse exibida com medida cautelar. Estrategista de longa data, Mojica convenceu Mário Lima a rodar uma cena de sexo explícito para atrair mais público. De certo modo funcionou. Eles conseguiram exibir o filme no Cine Windsor; reino do pornô da época e cinema preferido dos gays. No entanto, semanas antes do lançamento de A Quinta Dimensão, a direção do Windsor proibiu os freqüentadores de transarem dentro da sala. Como forma de protesto, os homossexuais decidiram boicotar o cinema e o filme não conseguiu ficar nas telas nem por um mês.
Mojica não se fez satisfeito e continuou atuando no mundo do sexo explícito num segundo filme. Mas controlemos os desejos, isso já é estória para outro post.

sábado, 13 de março de 2010

Parabéns ao Mojica


Que seus cabelos se tornem ácido e, praticamente, queimem todo o seu corpo. E que você coma um bolo muito gostoso hoje...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Até Zé do Caixão perde para o BBB

Nem se a direção das provas e gincanas do Big Brother Brasil estivesse às mãos do diretor José Mojica Marins, criador e alterego do personagem Zé do Caixão, um dos peritos do cinema nacional quando o assunto é aterrorizar, a falta de senso do programa chegaria a tanto. Falo exatamente daquelas provas que se aproximam de rituais do além, onde o vencedor, após horas de rechaçamento, pode angariar o posto de líder da semana, um carro ou até mesmo fazer uma ligação para o mundo exterior. É campeão, sabe-se lá de que, aquele que melhor suportar os maus tratos, permanecendo horas sem suas necessidades básicas — leia-se o direito a um banho, à alimentação ou até mesmo, a sandice maior, a exclusão do direito de ir ao toalete.
A edição atual do programa, que parece ser a última do impropério televisivo no Brasil, traz requintes de humilhação aos participantes que deixaria qualquer sanguinário profissional no chinelo. Nem as farras malévolas já produzidas pelo mefistofélico coveiro tupiniquim em suas diversas atuações conseguem ultrapassar o BBB.
Zé já fez, em meados de 1967, durante testes numa sinagoga na região do Brás, em São Paulo, coisas tenebrosas. Jovens pregavam a própria língua numa tábua, moças comiam minhocas com groselha, e até mesmo rapazes com os pés molhados seguravam fios desencapados, levando terríveis choques elétricos. Tudo em nome da seleção para atores que o diretor produzia. Assim como no BBB, tudo o que era feito com o consentimento dos participantes. À época, o espetáculo rendeu ao mestre do terror nacional o título de louco, boa publicidade e algumas horinhas de depoimento à polícia. Mas foi só.
Em compensação, o espetáculo grotesco da vida alheia também dá suas tacadas. O que me deixou boquiaberto nesta edição foi o tal “quarto branco”. O telefone toca na casa. Um dos residentes atende ao BBBFONE e descobre que foi premiado com a estadia, junto a outros dois membros, de 72 horas num quarto onde até as sombras são brancas. Roupas, paredes, lençóis, tudo é neve. Lá, o “grande irmão” não permite banhos, conversas com outros membros que estão fora do quarto e, claro, os espia de forma incessante. Consultei alguns peritos no assunto e descobri que o nascimento da insensatez não data do BBB atual, mas sim da edição anterior.
O vento que arrasta o “Ritual dos Sádicos” que uma das maiores redes de televisão do mundo produz é um vento com um verossímil de ameno, vez que os brothers têm o pretenso livre-arbítrio de desistir da prova. Mas não é o que ocorre. Eles precisam de visibilidade e, por isso, aceitam a condição. A paranóia é geral. O chefe Bial dá ainda uma luz. Há uma sirene em meio ao quarto, o único objeto vermelho, que pode ser apertada caso algum ser branco surte e resolva abrir mão do campeonato de tédio. Por muitos instantes os pensamentos ficam negros. Uma das presidiárias resolveu até teorizar o inferno astral, nomeando o momento de “confinamento do confinamento”.
Este sem número de tragédias que permeia o programa ora ou outra acaba caindo numa necessidade da criação. E é por isso o BBB vive se renovando quando o assunto é sandice. Isto poderia, sim, dar nova cara, talvez mais saudável, às gincanas do programa — mas não é este o formato que rende audiência. Aqui reside também, de forma até romanesca, a oportunidade de que se gere algo novo e não se permita que, em nome da produção de massa, a boa criação, a de “alta cultura”, fique ofuscada. Vale lembrar a linha do sociólogo francês Edgar Morin, no que tange a possibilidade. “Em determinado momento precisa-se de mais, precisa-se da invenção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação, que a burocracia é obrigada a procurar a invenção, que o padrão se detém para ser aperfeiçoado pela originalidade”. É possível ver luz. Mas a criação do programa se preocupa apenas em tornar seres humanos em coisas risíveis.
Eles, a Globo, não são os únicos sádicos aqui. A pergunta é: queremos assistir a um espetáculo brando, onde pessoas que se esforçam ganham notoriedade, em que as provas testem a inteligência ou até mesmo a condição física dos avaliados? Ou preferimos ver pessoas se humilhando, tentando provar sabe-se lá como que são dignas do troféu BBB por terem suportado às mais diversas privações?
A luz vislumbrada pela Rede Globo não enxergou algo novo, mas sim uma intensificação da tragédia televisiva, de forma diferenciada, mas com os mesmos delírios de crueldade. Zé do Caixão foi passado para traz. Nem ele assusta tanto. Que medo!

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