“Sua mente confusa não sabe o que procura... Porque o que procura confunde a sua mente... E nasce o terror. O terror da morte, o terror da dor, o terror do fantasma, o terror do outro mundo... Agora, vê no terror que nada é terror... Não existe o terror, no entanto, o terror o aprisiona... O que é terror? Ahhh... Não aceita o terror porque o terror é você!”
Trecho do filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão, de 1968.
Como já foi dito vezes antes, é impossível falar em cinema de horror no Brasil e não mencionar os trabalhos de José Mojica Marins. Seu nome poderia, até mesmo, figurar numa conversa que abordasse o gênero em esfera mundial. Afinal, parafraseando Glauber Rocha, renomado diretor do movimento Cinema Novo, Mojica é um gênio (reza a lenda que tal frase, seguida de inúmeros palavrões, fora esbravejada por Glauber logo após este ter assistido a um dos filmes de Mojica. O cinemanovista teria ficado tão empolgado que protagonizara um pequeno tumulto na sala de um cinema no Rio de Janeiro).
Apesar disso, ainda é difícil desassociar a imagem de José Mojica à de Zé do Caixão, personagem mitológica criada por ele próprio. Ambos dividem algumas semelhanças, entre elas a aparência física e o nome: José e Zé. Mas é só. Zé, que no auge de seu ceticismo zomba das pessoas, de Deus e do diabo a quatro, e Mojica, um senhor tranquilo, com fé em São José e na Virgem Maria (ele se considera um religioso não praticante), são indivíduos completamente diferentes. No entanto, a confusão tem lá sua razão de ser.
Durante muito tempo Mojica se apresentou na mídia caracterizado como sua personagem. Em programas de entrevistas e shows ele surgia como tal, assumindo a identidade do coveiro maléfico. Por anos tirou proveito da empatia que este despertava e a transferiu para si. E isso se comprova pelo fato de seu nome soar desconhecido até hoje, ao contrário do de Zé do Caixão, que é amplamente conhecido.
Como definiu Gustavo Dahl, cineasta e crítico de cinema, no livro Cinema de invenção, de Jairo Ferreira, “Zé do Caixão é uma personagem que veio para ficar, tanto assim que parece ter existido desde sempre. Visão interiorana do demônio, cartola, barba, longas unhas, lúbrico, perverso, estamos diante de um diabo brasileiro, circense [...] Sua marginalidade é a mesma de Lampião [...] e é vivida pelo povo como libertadora”. Ele é, por fim, uma personagem do folclore nacional, símbolo maior do terror brasileiro - uma espécie de Drácula tupiniquim.
Por outro lado, o criador José Mojica é também um artista autêntico, “[...] um tarado mental, um gênio do escrotismo, o maior homem do cinema já surgido no hemisfério Sul”, nas palavras do cineasta Carlos Reichenbach, para o jornal Shimbun, em 1970.
Compartilho do pensamento de ambos e também da admiração de uma infinidade de fãs. Afinal, graças a ousadia e a criatividade de Mojica, Zé do Caixão existe e está aí para assombrar nossos sonhos... Ele nos deu de presente uma personagem célebre que, “praticamente”, ficará para sempre em nossa memória. E se ainda tiver espaço para um último desabafo, hei de fazê-lo: Mojica e Zé do Caixão são os meus heróis.