sexta-feira, 21 de maio de 2010

Diário do inferno - 40 anos na vida de Zé do Caixão

“Columba livia... O pombo comum. Não se enganem: escondida nesse corpo angelical está a alma de um autêntico roedor como vocês, mas, graças à aparência, ele tem uma reputação muito melhor perante a sociedade! Até igreja ele frequenta! (...) Entre! Não faça cerimônia. Por detrás dessa silhueta poética sabemos que se esconde um apetite voraz pela podridão... E vocês, meus amigos ratos, levam toda a má fama e culpa sozinhos. Condenados pelos seus instintos naturais... Pelos juízes hipócritas que assimilaram muitas de suas características por vontade própria...”

Zé do Caixão, em Prontuário 666.


O intervalo existente entre os filmes Esta noite encarnarei no teu cadáver, de 1968, e Encarnação do demônio, de 2008, foram vividos pela personagem Zé do Caixão de um modo bastante peculiar. No período que soma 40 anos, o coveiro maldito esteve recluso do convívio social - foi internado em uma clínica para doentes mentais e preso na Penitenciária do Estado.

E suas aventuras neste meio tempo viraram tema para o livro de quadrinhos Prontuário 666 – os anos de cárcere de Zé do Caixão, de autoria de Samuel Casal e Adriana Brunstein, ilustrador e roteirista, respectivamente. A obra, editada pela Conrad, narra as terríveis experiências que Zé promoveu na cadeia, ou “zoológico humano”, como se referia ao local.

O livro é aterrorizante e respeita a mitologia criada por Mojica Marins para o coveiro, com suas ideologias e clichês. Criativo e original, Prontuário 666 (número da ficha da personagem na cadeia) é um ótimo prefácio para o terrível e assombroso mundo de Zé do Caixão.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Mojica na neve

Mojica na neve – Esta noite encarnarei em Sundance é um curta-metragem realizado por André Barcinski e Ivan Finotti, autores da biografia Maldito - a vida e o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão (Editora 34, 1998), e por André Finotti. Captado em vídeo digital, o filme é um tributo ao cineasta. Com depoimentos de Mojica, ele resgata a trajetória do diretor desde suas experiências iniciais até a homenagem recebida no Sundance Film Festival em 2001. Lá, Mojica aproveitou para entrevistar celebridades e conhecer os cemitérios da região. Também se emocionou ao ver, pela primeira vez, a neve.

Ficha técnica

diretor: André Barcinski, Ivan Finotti e André Finotti

elenco: José Mojica Marins

produção: André Barcinski, Ivan Finotti e André Finotti

roteiro: André Barcinski, Ivan Finotti e André Finotti

fotografia: André Barcinski, Ivan Finotti e André Finotti

duração: 15 min

ano: 2001

país: Brasil

gênero: documentário

sábado, 15 de maio de 2010

“Até onde vão essas unhas se eu não cortá-las?”


Homenagem a José Mojica Marins. Por Leo Caobelli, jornalista e fotógrafo. Via Garapa.org.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Trilha sonora dos infernos


Mojica Marins não é e nem nunca foi músico (arriscou-se uma única vez, é verdade, interpretando a marchinha de carnaval Castelo dos horrores, de 1969, na qual cantava “Eu moro no castelo dos horrores / Não tenho medo de assombração / Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô eu sou o Zé do Caixão”). No entanto coleciona homenagens de artistas e bandas dos mais variados estilos. Desde a década de 60, início de sua carreira como diretor e ator, Mojica é citado em canções e já chegou a participar e dirigir videoclipes. Nada surpreendente em se tratando de um grande artista multimídia como ele.


Os Mutantes, em seu disco de estreia, citaram Zé do Caixão nos versos da canção Trem fantasma, composta pelo trio em parceria com Caetano Veloso. A música fala do brinquedo do parque e também das criaturas trazidas pela personagem. O ano era 1968 e Zé do Caixão já se fazia presente no inconsciente coletivo.


Por sua vez, em 1978 Zé Ramalho lançava seu segundo disco, intitulado A peleja do diabo com o dono do céu. O álbum fez bastante sucesso e lançou no mercado músicas que até hoje são hits do cantor, como Admirável Gado Novo e Frevo mulher. No entanto, mais sucesso ainda fez a capa do LP em que Zé Ramalho aparece junto de Zé do Caixão. Cinco anos depois, quando Mojica resolveu cortar as longas unhas em um programa de TV, Zé Ramalho foi convidado a cantar, sendo o responsável pela trilha sonora do evento. Depois disso, o cantor ainda lançou um cordel cujo título era A peleja de Zé do Caixão com o cantor Zé Ramalho.


Zé Ramalho e Zé do Caixão em capa de LP

E na década de 90, com o surgimento de várias bandas independentes no cenário musical nacional, Mojica fez a festa e se empenhou em apoiar alguns nomes. O grupo curitibano Boi Mamão foi um deles - os rapazes tiveram a honra de ter um videoclipe dirigido pelo cineasta. Já os paulistanos do Rock Rocket produziram um clipe no qual Zé do Caixão marca presença e ainda lança uma de suas terríveis pragas.


Outros que também fizeram parte da carreira de Mojica foram os integrantes da banda Sepultura. Na música Ratamahatta, com participação de Carlinhos Brown, Zé é colocado ao lado de Zumbi e de Lampião, numa homenagem que culminaria em um novo corte nas unhas de Mojica, só que desta vez ao vivo num dos shows da banda.


Derrick Green, atual vocalista do Sepultura, ao lado de Mojica


Em terras estrangeiras, o diretor também dá o ar de sua graça pelas mãos de outros artistas. Um exemplo é o grupo americano White Zombie, liderado por Rob Zombie, diretor e fã de filmes de terror. No último disco da banda antes da separação, Astro-Creep: 2000, lançado em 1995, a música I, Zombie, faz uma homenagem à Zé do Caixão. Ela começa reproduzindo trechos do filme O despertar da besta, feito por Mojica em 1970. E quando os músicos vieram ao Brasil em 1996 fizeram questão de conhecer o diretor, pai da assustadora personagem.


Integrantes do extinto White Zombie em visita à Mojica Marins

Em 2003 foi a vez da banda de heavy metal Necrophagia se inspirar no estranho mundo de Zé do Caixão. A história do filme À meia noite levarei sua alma foi recontada no CD The divine act of torture. Descrito pelos próprios músicos como muito pesado, violento e cheio de horror, o compacto presta uma homenagem ao diretor brasileiro (uma das faixas, inclusive, leva o nome Ze do Caixao). Tal homenagem foi retribuída por Mojica, que posteriormente dirigiu um dos clipes do grupo americano.


Capa do CD The divine act of torture, dos metaleiros do Necrophagia


Já em Londres, Zé do Caixão tem um sósia roqueiro, pelo menos no nome. O baterista da banda The Horrors, Joseph Patrick Spurgeon, é mais conhecido pelo apelido de Coffin Joe, nome no qual a personagem brasileira é chamada fora do país.


"Coffin Joe" inglês (de óculos) e sua banda

Sociedade da Grã-Ordem Mojiquista: homenagem ao "mestre"

Porém, pode-se dizer que o mais recente projeto musical que envolve o nome de Mojica Marins (literalmente) é o do grupo Sociedade da Grã-Ordem Mojiquista, criado em 2008 principalmente para homenagear o artista. Composto por integrantes de três bandas paulistanas – Cérebro Eletrônico, Jumbo Elektro e Odegrau –, o projeto especial traz músicas de letras sombrias e efeitos sonoros de arrepiar, todas inéditas e inspiradas em histórias de terror. Os músicos não pretendem transformar o projeto em uma nova banda, mas prometem realizar apresentações de tempos em tempos.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Zé do Caixão apresenta contos infantis


O título pode até soar estranho, mas não é. Aos mais céticos, vale conferir a programação da 4º Bienal do Livro de Rio Preto, que ocorreu do dia 30 de abril até 09 de maio, no Centro de Educação, Cultura e Artes - Swift, em São José do Rio Preto, para ter certeza de que o mestre do terror esteve por lá contando estórias para a criançada.

O alter ego de Zé do Caixão, José Mojica Marins, participou da feira mediando uma roda de leitura, no último sábado, que pode ser intitulada no mínimo de atípica. Encarnando seu personagem maléfico, o diretor esbravejou histórias do mal ao público infantil. A Cobra sem Veneno, Comunicação com os Mortos e Funeral para um Adolescente foram algumas das anedotas fúnebres, escritas por Mojica, que o coveiro proferiu aos infantes.

Contudo, engana-se quem pensa que só o terror reinou na Bienal. O tom mefistofélico da voz de Zé do Caixão acabou se apaziguando e dando espaço para o simpático Mojica que, rapidamente, conquistou as crianças. Até o mais malvado personagem do terror brasileiro perde as forças ao lidar com os pequenos.

Além disso, vale lembrar que a grande sina do personagem Zé do Caixão é encontrar uma mulher que lhe dê o filho perfeito; ou seja, Zé se identifica com os piralhos. “Gosto do mundo infantil e de escrever contos de terror”, disse Mojica no final da década de 1980.

Parte VIII – De A Sina do Aventureiro até Zé do Caixão


A próxima produção de Mojica foi Meu Destino em Tuas Mãos lançado em julho de 1963. Um drama de cinco crianças que apanhavam de suas famílias e resolveram fugir de casa. Marins assumiu um dos papéis de pinguço que surrava o filho, a história termina com o arrependimento dos pais, um final feliz.O filme foi um fracasso total.

Se por um lado Mojica tentou agradar os críticos e a igreja com uma história bonita, por outro, a reação dos exibidores foi totalmente inversa, ninguém queria dar crédito a produção. Mojica encontrava-se numa situação delicada, precisava de algum plano. Estava decidido que não faria mais filmes para agradar os outros. Queria uma produção para o povão, com ação e sexo.Pensou então num roteiro policial, Geração Maldita, um filme com tiroteio entre bandidos e policia.

Com o fracasso das outras fitas Mojica estava sem dinheiro para a produção, resolveu, então, apelar para as cotas dos alunos da Apolo. A época não era nada boa, os alunos não conseguiam arrecadar dinheiro para a produção do filme. Mojica mais uma vez se viu numa situação crítica, Geração foi mais um projeto sequer iniciado.O cineasta voltava para casa decepcionado, não tinha ideia nenhuma para salvar suas produções.

Numa dessas noites de aflições Mojica teve um pesadelo. Acordou aos prantos, Rosita ficou muito assustada com a reação do marido. Ele sonhou com um lugar muito sombrio, estava deitado de costas no chão, mal conseguia mover o próprio corpo. De repente, sente a aproximação de uma pessoa, devido à neblina não conseguia identificar quem era. Aos poucos, aquele corpo foi se aproximando, a roupa era toda preta, sujeito magro e baixo.

Quando se aproximou, Mojica percebeu a similaridade, era ele mesmo.A cópia começa arrastá-lo pelo terreno, Mojica estava num cemitério, ele gritava de medo. Quando parou, se deu conta que estava de frente com sua própria cova. Marins não queria olhar a data da morte, seu clone o empurrou para dentro da vala. Foi a partir desse pesadelo que Mojica deu vida a sua personagem, Zé do Caixão.

Parte VII - De A Sina do Aventureiro até Zé do Caixão


A vida dos Marins mudou mais uma vez. A proprietária do Cine Santo Estevão resolveu alugar o prédio para uma fábrica de ferragens. A família conseguiu alugar um quarto na casa de uns amigos próximo ao Cine. Mojica nem ligava para a situação, havia deixado a escola aos 13 anos, alegando que começaria a trabalhar. Mas, o que desejava mesmo era se dedicar ao cinema.Aos 17 anos, começou a trabalhar como aprendiz de maquinista numa fábrica de fósforos. Lá fez muitas amizades, principalmente com as mulheres. Os homens não gostavam muito, pois o achavam metido. Quando alguém perguntava qual era a sua profissão, Mojica enchia a boca para falar “diretor de cinema”.Devido à sua prepotência, certa vez se envolveu numa briga num bairro vizinho e, na ocasião, conheceu Hélio Bolim, outro amante de cinema.Mojica estava com uma equipe grande e já pensava na produção de alguns longas, mas para isso, precisavam também de dinheiro. Foi então que teve a ideia de recolher cotas equivalentes a 50 cruzeiros. Em junho de 1953 o cineasta reuniu a turma e criou a Companhia Cinematográfica Atlas. Tornava-se um chefe de um “estúdio cinematográfico”. As divulgações sobre a Companhia ganharam espaço nas mídias. O galinheiro já não comportava a turma e as pessoas que começavam a frequentar o local. Com o apoio de Hélio, transferiram-se para um galpão vazio no bairro da Freguesia do Ó. Nascia, assim, a Indústria Cinematográfica Apolo.A indústria funcionava como uma escola de atores, mais com um detalhe intrigante. O professor ou mestre, como assim gostava de ser chamado, era nada menos que o próprio Mojica. Ele cobrava mensalidades de 150 cruzeiros e com esse dinheiro começaram a produção de alguns filmes, Sentença de Deus e No Auge do Desespero.Nessa mesma época Mojica conheceu a artista Rosita Soler com quem viria se casar em fevereiro de 1957. Foi o seu primeiro casamento.A inexperiência de Mojica começava a afetar as produções dos filmes. A Sentença e No Auge foram um fracasso e abalou a confiança do diretor.Marins passou por mais algumas produções. A Sina do Aventureiro um faroeste brasileiro, no qual o produtor fez uma participação como um capanga de um bando, foi o primeiro longa estreado em dezembro de 1958.O filme proporcionou para Mojica algumas das primeiras lições com a censura. O filme não agradou o Serviço de Censura de Diversões Públicas, órgão responsável pela classificação etária dos filmes. Sina ficou proibida para menores de 18 anos, arruinando o rendimento da bilheteria.B.J. Duarte, crítico da Folha da Tarde não mediu palavras para tratar da produção de Marins: “O resultado é precário, a surdir inexperiência e improvisação a cada metro da película projetada, a denunciar em todos os setores da criação cinematográfica aquela falta de preparo técnico e intelectual que vem caracterizando o cinema brasileiro […]Não duvido um só instante das boas intenções de José Mojica Marins, das de seus companheiros de equipe, das de quantos participaram de sua realização […] mas, apenas com sinceridade, fé e confiança em si próprio, não se faz cinema, não se faz literatura, nenhuma arte se realize plenamente. É mister um aprendizado geral, é necessária a cultura do espírito, impõe-se o conhecimento da técnica, sem o que nunca se fará nada, a não ser obras medíocres e vacilantes” (BARCINSKI; FINOTTI, 1998, p.81).

Parte VI - Vila Anastácio

Mas não era isso que atrapalharia os planos de Mojica. Ele e o amigo João estavam decididos a acabar com todas as penas. Resolveram eliminá-las, um procedimento um tanto quanto radical, porém, necessário.Foram até a mercearia e compraram veneno de rato. Misturou o pó a comida das galinhas. No outro dia, a mãe de João percebeu que haviam cinco galinhas mortas, e as demais pareciam um pouco bêbadas. Na mesma noite, outras seis deram adeus ao galinheiro. João alertou a mãe que o que estava acontecendo havia de ser uma epidemia, e que poderia passar para a família. Desesperada, os pais se livraram das penosas e o galinheiro ficou livre para os novos experimentos de Mojica e seus amigos.A turma não fazia outra coisa. Passavam o dia todo inventando cenas. Mojica tentava de todos os jeito. Subia em escadas para filmar ou deitava no chão para conseguir outros ângulos. Aprendeu a desenvolver alguns efeitos com a câmera. Às vezes filmava em baixa velocidade para obter uma imagem acelerada quando a imagem fosse projetada à velocidade normal, e depois experimentaram o inverso. Arriscou a trabalhar com sobreposição de imagens. Com uma cartolina, Mojica tapava metade da lente, depois voltava o filme no cartucho e filmava com a outra parte. Com esse método, conseguiram elaborar uma cena que João aparecia dividido ao meio, de um lado estava limpinho e do outro coberto de lama.Foram diversas experiências vividas pela turma. Mojica fazia questão de batizar cada peripécia criada, como se fosse realmente um filme. Produziram Os Três Leões, um filme infantil. No contexto, os amigos fantasiados de leões, tentavam convencer os humanos à não maltratar os animais. Também produziram um filme policial chamado A Encruzilhada da Perdição e outro que pode ser considerado o primeiro filme de horror de Mojica, Feitiçaria, um documentário que tratava de um centro espírita da Vila Anastácio.A carreira de Mojica começava a se desenhar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Parte V - Vila Anastácio

Seu amigo João Português morava a 30 metros do cinema. No fundo de sua casa havia um galinheiro. Mojica e seus amigos viviam por lá brincando e ensaiando teatrinhos. Usavam espadas de madeiras e máscaras do Zorro. Eram horas e horas que passavam se divertindo, com fantasias feitas de cartolina e tecido. Mas o que Mojica gostava mesmo, era de vestir a fantasia de vampiro, com longas unhas e dentes feitos de papelão.
Aos 11 anos, o menino ganhou uma surpresa do pai, uma máquina fotográfica. Não pensou muito, e já queria fazer arte com o presente. Logo começou a produzir uma espécie de cineminha de terror, inspirado no famoso “Bat-sinal” de Batman. Muito criativo Mojica tirava dezenas de fotos em preto e branco, depois as revelava e em seguida já pegava os negativos para colar na boca de uma lanterna. Projetava todas as imagens numa parede branca. Às vezes seu pai deixava que projetasse as imagens na telona do cinema.
Depois de se divertir por um tempo com a máquina que ganhou do pai, Mojica queria mais ação. Seu próximo sonho de consumo seria uma câmera 8 milímetros. Insistiu tanto para o pai que acabou ganhando de presente de aniversário ao completar 12 anos.
Os primeiros experimentos com o presente tão desejado foi filmar as redondezas do bairro. Seus amigos sempre o acompanhavam, divertiam-se o dia todo, Mojica já não parava mais em casa.
Eles conseguiram um projetor emprestado e exibiram seus primeiros filmes caseiros num lençol estendido no varal. A cena que mais encantou Mojica foi quando ele viu a fachada do Cine Santos Estevão, esse foi o dia mais feliz.
Durante três anos utilizando a mesma câmera, as experiências tornaram-se mais abrangentes. A turma não se preocupava com roteiro ou continuidade, mas haviam começado a filmar perseguições e brigas. Mojica era o mais astuto do grupo, logo, descobriu alguns conceitos elementares de montagem. Percebeu que poderia relacionar sequencias de ação no próprio equipamento, bastava filmar as cenas em ordem e trocar sempre o ângulo de visão. Tudo isso, sem dispor do de um sistema de edição adequado.
As ideias produzidas pelo grupo eram alternativas. O material deles que pode ser considerado o primeiro experimento a merecer o nome de “filme”, contendo um enredo de começo, meio e fim, foi o curta-metragem O Juízo Final, filmado no ano de 1949. Mojica tinha seus 13 anos apenas.
Com o passar do tempo, Mojica ficou mais exigente. A câmera de 8 milímetros já não estava dando conta de tantas filmagens, o negativo dela era muito pequeno. Ele conversou com os amigos e resolveram fazer uma “vaquinha” para comprar uma máquina de 16 milímetros. Todos concordaram com a ideia. Em 1952 foram até uma loja do centro da cidade e adquiriram a câmera Cinclox, era movida a corda e com apenas uma lente.
Mesmo com a nova câmera, Mojica queria muito mais. Agora a turma precisaria de um espaço para fazer as filmagens. Pensaram então em utilizar o galinheiro da casa de João Português. O local era espaçoso e escondido. O único impasse era que, em todas as filmagens apareceriam galinhas, mais ou menos, umas 50 galinhas.

Parte IV - Vila Anastácio

Seus colegas o invejavam, pois José podia assistir aos filmes de graça. Logo, percebeu que tinha um truque nas mãos. O garoto começou a trocar ingressos para o cinema por revistas em quadrinhos. Uma vez seu pai chegou na sala e havia cerca de quarenta amigos de José, furioso, Antônio colocou todos para fora do cinema e o alertou que se quisesse poderia trazer alguns amigos, e não toda aquela turma! Mas o que ele mal sabia, era o trunfo que José tinha.
José era considerado o garoto mais mimado da Vila Anastácio. Vivia limpinho, bem arrumado e sempre andava de sapatos.
O alter ego de Mojica já se percebia desde pequeno. Não gostava de ser contrariado e como era filho único, nunca precisou dividir a atenção com outra criança. Sua altivez foi crescendo com o passar dos anos, junto com sua graça e o espírito de liderança.
José tinha uma fascinação pela fantasia. Mal aprenderá a ler e já adorava colecionar gibis. Também tinha alguns álbuns de luxo com histórias de Walt Disney e Flash Gordon que trazia um “cineminha” nas bordas das páginas. Bastava folhear e os desenhos moviam-se rapidamente. O garoto chegou a criar uma espécie de “gibiteca” em sua casa. Cobrava de seus coleguinhas uma bolinha de gude ou figurinhas para que pudessem ficar durante algumas horas apreciando sua coleção.
Aos 9 anos José já manifestava sua habilidade artística. Ele começou a organizar breves shows de marionetes com seus amigos no porão do cinema. Para ele era um momento de faz de conta. Costumava andar fantasiado pela Vila Anastácio, às vezes de índio, caubói ou astronauta.
A fama extravagante de José não demorou muito para ser percebida entre os amigos. Na vila havia muitos Josés e seus amigos para diferenciá-lo dos demais, resolveram chamá-lo pelo nome que após alguns anos ficaria bastante conhecido, Mojica.
Ele adorava esse nome, pois havia um frei mexicano que fazia muito sucesso cantando em filmes americanos, seu nome era José de Guadalupe Mojica. Não demorou muito para Mojica inventar que era parente do tal cantor. Sua popularidade começava a se estender.
Sua estima generalizada ganhou mais dimensão quando o pequeno receberá elogios do famoso artista de circo da época, Mazzaropi. Numa das passagens do Circo o qual trabalhava, ele lançou um concurso de música com toda a garotada do bairro. Mojica interpretou a música “Porta Aberta” de Vicente Celestino, e garantiu o primeiro prêmio, na época, uma capa de toureiro.
Algumas vezes José se isolava dos outros meninos da vila, mas mesmo assim garantiu alguns bons amigos. O mais chegado era o João Português, também fez amizades com José Curto Rodrigues, Jurandir da Silva, Abdul Ruhmann e Fernando Francisco, mais conhecido pelo apelido, Dinho.

Parte III - Vila Anastácio

Os bons ventos voltaram-se mais uma vez para a família Marins. Em meados de 1942, o cinema estava muito bem. Antônio já não dava conta de todo trabalho. Resolveu então contratar mais uma pessoa para ajudá-lo. Pensando mais uma vez no bem estar da sua família e na felicidade de Carmem, Antônio decidiu oferecer o emprego para Atílio, marido de sua cunhada, Conceição.
O casal acabava de ter uma filha, Lurdes, e passavam por sérias dificuldades. Atílio trabalharia a noite na bilheteria do cinema em troca de moradia. Ao lado da sala de projeção havia um apartamento com quarto e cozinha.
A proposta beneficiou a todos. As duas irmãs revezavam-se tomando conta de José e Lurdes, além de que, Carmem teria mais de tempo para ajudar na administração da bomboniere.
José apreciava sua vida excitante. Sei pai era um homem de espetáculos e muito respeitado pela vizinhança. Antônio possuía um hobby, às vezes juntava-se ao irmão Miguel para tourear no Circo Chic Chic. De vez em quando levava o menino para acompanhá-los nas viagens. José adorava, uma vez seu pai o confiou uma tarefa muito importante, o pequeno ficaria responsável por recolher as moedas e os chapéus que o público lançava na arena. Ao término das apresentações o garoto corria para apanhar todas as moedinhas e agradecer os aplausos. Já se sentia como um verdadeiro artista.
Mas o que o menino mais gostava, era da sala de cinema do Cine Santo Estevão. Lá teve suas primeiras experiências cinematográficas. Sempre após o lanche da tarde, ele corria para assistir ao seriado preferido, Flash Gordon, o herói espacial.

sábado, 8 de maio de 2010

Quero ser amiga de Zé do Caixão

“Sua mente confusa não sabe o que procura... Porque o que procura confunde a sua mente... E nasce o terror. O terror da morte, o terror da dor, o terror do fantasma, o terror do outro mundo... Agora, vê no terror que nada é terror... Não existe o terror, no entanto, o terror o aprisiona... O que é terror? Ahhh... Não aceita o terror porque o terror é você!

Trecho do filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão, de 1968.

Como já foi dito vezes antes, é impossível falar em cinema de horror no Brasil e não mencionar os trabalhos de José Mojica Marins. Seu nome poderia, até mesmo, figurar numa conversa que abordasse o gênero em esfera mundial. Afinal, parafraseando Glauber Rocha, renomado diretor do movimento Cinema Novo, Mojica é um gênio (reza a lenda que tal frase, seguida de inúmeros palavrões, fora esbravejada por Glauber logo após este ter assistido a um dos filmes de Mojica. O cinemanovista teria ficado tão empolgado que protagonizara um pequeno tumulto na sala de um cinema no Rio de Janeiro).

Apesar disso, ainda é difícil desassociar a imagem de José Mojica à de Zé do Caixão, personagem mitológica criada por ele próprio. Ambos dividem algumas semelhanças, entre elas a aparência física e o nome: José e Zé. Mas é só. Zé, que no auge de seu ceticismo zomba das pessoas, de Deus e do diabo a quatro, e Mojica, um senhor tranquilo, com fé em São José e na Virgem Maria (ele se considera um religioso não praticante), são indivíduos completamente diferentes. No entanto, a confusão tem lá sua razão de ser.

Durante muito tempo Mojica se apresentou na mídia caracterizado como sua personagem. Em programas de entrevistas e shows ele surgia como tal, assumindo a identidade do coveiro maléfico. Por anos tirou proveito da empatia que este despertava e a transferiu para si. E isso se comprova pelo fato de seu nome soar desconhecido até hoje, ao contrário do de Zé do Caixão, que é amplamente conhecido.

Como definiu Gustavo Dahl, cineasta e crítico de cinema, no livro Cinema de invenção, de Jairo Ferreira, “Zé do Caixão é uma personagem que veio para ficar, tanto assim que parece ter existido desde sempre. Visão interiorana do demônio, cartola, barba, longas unhas, lúbrico, perverso, estamos diante de um diabo brasileiro, circense [...] Sua marginalidade é a mesma de Lampião [...] e é vivida pelo povo como libertadora”. Ele é, por fim, uma personagem do folclore nacional, símbolo maior do terror brasileiro - uma espécie de Drácula tupiniquim.


Por outro lado, o criador José Mojica é também um artista autêntico, “[...] um tarado mental, um gênio do escrotismo, o maior homem do cinema já surgido no hemisfério Sul”, nas palavras do cineasta Carlos Reichenbach, para o jornal Shimbun, em 1970.


Compartilho do pensamento de ambos e também da admiração de uma infinidade de fãs. Afinal, graças a ousadia e a criatividade de Mojica, Zé do Caixão existe e está aí para assombrar nossos sonhos... Ele nos deu de presente uma personagem célebre que, “praticamente”, ficará para sempre em nossa memória. E se ainda tiver espaço para um último desabafo, hei de fazê-lo: Mojica e Zé do Caixão são os meus heróis.


quinta-feira, 6 de maio de 2010

Zé do Caixão rumo à Copa

Charge do dia”, assinada pelo cartunista e escritor Ziraldo, em tempo, um dos maiores e mais aclamados escritores infantis do país. Fica aí o recado para o técnico da seleção...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Parte II - Vila Anastácio

Quando José completava 2 anos, os donos da fazenda, a família Caruso, decidem vender a propriedade.
Antônio ficou muito preocupado, pois como haveria de conseguir recursos para sustentar uma família, sem moradia e emprego.
O restante da família do casal também ficou apreensiva com a situação, porém, logo conseguiram outro lugar para ficar. Foram para casa de parentes que moravam na cidade de São Paulo. Já Carmem e Antônio, ficaram com uma mão na frente e outra atrás.
A família Caruso, muito solidária a eles, tentaram de várias formas ajudá-los. Certo dia, João Caruso, o dono e muito amigo de Antônio, dá a boa notícia de que ele poderia assumir o cargo de gerente de um cinema em Vila Anastácio, na Lapa.
Antônio ficou preocupado com o convite, pois nunca tinha cuidado antes de um cinema. Mas a sua situação não era tão boa para recusar uma proposta como essa. Além de que, ele, a esposa e o filho, poderiam morar em dois quartos nos fundos do cinema.
Em maio de 1938, fizeram as malas e carregaram José para o Cine Santo Estevão, localizado na rua Martinho de Campos, 386, Vila Anastácio, no distrito da Lapa.
A mudança da Vila Mariana para a Vila Anastácio para os Marins foi um choque. Não haveria mais as belas noitadas musicais na varanda ou o doce banquete de frutas dos pomares.
O bairro da Vila Anastácio era um verdadeiro proletário com pessoas pobres. As casas eram intercaladas por armazéns e depósitos. Os mais necessitados moravam em cortiços. As ruas eram de terras, não havia asfalto ou iluminação pública. Lá era uma verdadeira mistura de raças. Muitas pessoas, diversos idiomas. Não demorou muito para o pequeno José aprender alguns palavrões em línguas diferentes. Uma realidade totalmente diferente da vivida pelo casal há alguns anos no casarão da Vila Mariana.
O cinema era simplório. Tinha apenas um andar, o chão era de taco e havia um pouco mais de seiscentas cadeiras, todas de madeiras.
O cinema atendia basicamente a população do bairro. As sessões aconteciam as terças e quintas sempre às 19h30. Somente aos finais de semana que havia filmes exibidos durante o dia. Um ingresso dava direito a uma sessão dupla.
Não passou muito tempo para Antônio descobrir que administrar um cinema não era assim tão fácil, como imaginou ao receber o convite do amigo Caruso.
As tarefas demandavam as pinturas dos letreiros, limpar as salas, administrar a bomboniere e ainda ter que buscar os filmes nas distribuidoras do centro da cidade.
Por conta do cinema, não demorou muito para que a família Marins ficasse conhecida no bairro. Logo estariam frequentando os bailes de festas espanholas, as preferidas de Carmem, e também não deixavam de participar das missas aos domingos.
Aos sábados de manhã, Antônio gostava de levar José para assistir ao futebol de várzea, praticado as margens do rio Tietê. José vibrava ao ver o Corinthians jogar, seu time preferido.

Muito além do cinema

Burburinhos de todos os tipos a respeito de José Mojica Marins ecoam bueiros a fora. Quando se fala de seu personagem Zé do Caixão é ainda pior: as estórias se multiplicam. De fato as vidas de Marins e seu alter ego têm grandes peculiaridades.

Eles já foram de tudo um pouco — e, ao menos neste blog, chega de puxar o saco do cara, ou mesmo apontar essas mil coisas insanam que figuram no currículo do ator e diretor.

O que poucos sabem sobre Zé do Caixão é que ele já foi até carro. Explico. No final da década de 1960, a Volkswagen fabricou o VW 1600. Lançado para concorrer com o Corcel, da Ford, o VW ganhou notoriedade por ser "diferente". O formato de caixote e as maçanetas semelhantes a alças de caixão deram um ar, no mínimo, lutuoso ao veículo.

Convidado pela Volkswagen para fazer os comerciais do carro à época, Mojica, sempre oportunista, e seu então empresário pediram à montadora o dobro do valor proposto — além de exigir um carro para o diretor. Resultado: a Vw não aceitou e, para má sorte de Mojica, a população começou a associar o carro a Zé do Caixão sem precisar de propaganda.

Mas Zé — o carro — não viveu por muito tempo. Aliás, não nasceu mais — ainda há alguns Zés do Caixão rodando por aí. A produção do veículo se iniciou em 1968 e parou em 1971. Um engenheiro disse ao Portal G1 que, provavelmente, o insucesso do VW 1600 foi ocasionado por ele ter 4 portas — o que, naquela época, fazia o veículo ser associado a táxis.

Fiquei triste quando ele deixou de ser produzido e contente por saber que é bem conservado na mão de colecionadores. Hoje é um carro precioso e quem tem sabe o seu valor”, diz seu Zé sobre o xará.

Parte I - As famílias


A origem das famílias Mojica e Marins, explica em partes, a impulsividade de José Mojica Marins.

Seus avós chegaram a São Paulo entre os anos de 1890 e 1909. Vindos da Espanha, com objetivo de trabalhar na cidade e começar vida nova. O encontro efetivamente entre as famílias só foi acontecer após 30 anos da chegada na cidade de São Paulo.

Carmem Marins – a mãe – conseguiu um emprego na Fábrica de Cigarros Caruso, na rua São Bento. Passava oito horas por dia encarteirando cigarros, seis dias por semana. O trabalho não agradava muito, mas o que a motivava trabalhar com prazer, era o fato de presenciar todos os dias os galanteios do simpático gerente, Antônio Marins – o pai.

O gerente não demorou muito para perceber a bela espanhola tímida de olhos grandes. Todos os dias ele passava em sua seção para observar o desempenho no trabalho. Mas a verdade era que Antônio estava com vontade mesmo de pedir Carmem em casamento.

No dia 21 de dezembro de 1933, Antônio e Carmem se casaram. Antônio recebeu uma proposta de trabalho para cuidar de uma chácara na rua Domingos de Moraes, em Vila Mariana. A função de Antônio seria manter o local limpo e organizado, e também teria que supervisionar a venda de flores que eram cultivadas na casa e vendidas para as floriculturas da região.

O salário não era muito alto, mas em troca, o casal poderia ocupar o primeiro andar do salão, com uma sala, uma cozinha, um banheiro grande e cinco quartos.

Antônio sempre preocupado com o bem estar de toda sua família, teve a ideia de convidar a sua e a de Carmem para ocuparem os demais quartos.

As famílias viviam momentos muito felizes. No fim da tarde, reuniam-se para prosear na varanda da mansão, deliciando mangas e goiabas tiradas do pomar. Levavam uma vida de sonhos. Para Antônio e Carmem faltava apenas uma coisa para preencher o lar: um filho.

No ano de 1935 em agosto, Carmem dá a noticia que ele tanto aguardava: estava grávida. Numa estonteante alegria, Antônio disse que se fosse um menino, daria o nome do seu cunhado predileto, José.

No dia 13 de março de 1936, às quatro da manhã, nasceu José Mojica Marins. Era uma sexta-feira 13.

Mojica e/ou Zé do Caixão

A referência que muitos têm de José Mojica Marins é única e exclusivamente Zé do Caixão. De fato o diretor não consegue mais se desvencilhar do coveiro tirano que satiriza a tudo e a todos em seus filmes.

Consta na biografia de Marins que ele até tentou, à época que rodava o primeiro filme do personagem, À Meia-Noite Levarei Sua Alma, arrumar um ator para fazer tal figura. Mas foi em vão. Criterioso, o diretor rechaçou os muitos candidatos que se prontificaram ao papel e acabou, após inúmeros testes, virando diretor e protagonista de sua principal obra.

Tanto que são poucas as vezes em que vemos o pai (Marins) desassociado do filho (Zé do Caixão). Nos programas de TV, nas fotografias e afins, Mojica ostenta a capa e a cartola que tanto marcaram o personagem mundo a fora.

O próprio diretor parece não conseguir mais se separar de seu principal protagonista. No livro Maldito, os jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti afirmam que Mojica, nos idos tempos de 1987, numa fase drástica de sua vida, chegou a incorporar Zé do Caixão em casa, tornando-se violento e ameaçando as próprias filhas. A então esposa, Nilce, trancava as meninas no quarto e pedia, de joelhos, para que o marido parasse de proferir sandices do tipo quero beber teu sangue, quero ver teus miolos espalhados pelo chão.

Fato ou não, Mojica hoje figura, aparentemente, no lado do bem. Mas ainda não consegue se separar de Zé do Caixão. Do cômico ao trágico, o personagem é o recorte único que muitos fazem do diretor. Prova disso é o vídeo do programa Hermes & Renato, veiculado na MTV Brasil, no qual os atores encenam com comicidade “Um dia na vida de José Canjica Martins”.